domingo, 19 de abril de 2009

É hora de dormir, já pra (SUA) cama!


Por: Flávio Pimentel

Tem sido cada vez mais comum vermos, nos dias de hoje, novos modelos familiares compondo nossa sociedade. Mães solteiras, casais divorciados revezando a guarda dos filhos, crianças morando com os pais e avós... Ou seja, combinações diferentes do (tradicional) modelo pai, mãe e filho (s). Neste contexto, muitas vezes marcado pela ausência do pai, um problema tem se tornado comum: mães e filhos (as) dormindo juntos. Abaixo, explicaremos a razão de tal costume poder ser um problema para o desenvolvimento emocional da criança.
Ao nascer, o bebê vive um estado de completa dependência dos cuidados maternos, sem os quais não sobreviveria. A mãe volta o seu olhar para o filho, lançando mão de toda a sua energia e atenção, numa atitude de inteira prontidão para satisfazer aos chamados do novo rebento.
Este cuidado se faz essencial para criar nesta criança uma marca (emocional) de se sentir valorizado, cuidado, desejado. Algo como se deste cuidado materno brotasse uma ferramenta (mental) na criança, que lhe permitisse seguir adiante, na vida, de forma segura, confiante e criativa; não só para brincar (atividade importantíssima, na infância), mas para lidar com variadas situações da vida, inclusive problemas e dificuldades.
No entanto, esta intensa relação mãe-bebê, que marca os primeiros momentos da vida, precisa, gradativamente, diminuir em intensidade; a partir desse movimento o bebê vai se sentindo, cada vez mais, como alguém diferente da mãe - que antes, por estar tão junta, era como se fosse uma extensão de seu corpo, de seu ser.
Estamos falando, aqui, dos primeiros passos rumo à formação de uma identidade, de perceber que existe um “eu” e existe um “outro”, tudo isso por volta do 8º mês de vida; a presença do pai (ou alguém que o represente), neste momento, é fundamental: ela irá facilitar esse distanciamento entre mãe e bebê.
O bebê precisa se distanciar para desenvolver-se emocional e intelectualmente; a mãe precisa se distanciar para voltar à vida, antes dedicada somente ao filho. Por esse motivo essa mãe que, até então, estava o tempo inteiro ali, junto ao filho, pronta para atender quaisquer necessidades, começa a se ausentar em alguns momentos.
E é a partir desses momentos que o bebê vai desenvolvendo seus próprios recursos para lidar com o sofrimento de querer a mãe, a tempo e a hora, e não tê-la. Então começam a aparecer, nestas condições, paninhos, bicos, pedaços de fralda, bichos de pelúcia, e outros tantos objetos dos quais a criança não abre mão de sua “companhia”, sobretudo na hora de dormir (somente um objeto é escolhido pela criança).
Estes objetos dão segurança a esses pequenos e, neste sentido, são como substitutos da mãe; são muito importantes para o desenvolvimento intelectual e emocional do indivíduo, pois são resultados de um exercício mental da criança que, por meio da fantasia, atribui a eles um significado que vai além de sua utilidade: um paninho de fralda não é mais um paninho; o ursinho de pelúcia não é mais um simples ursinho; eles ganham “vida” e se tornam “companheiros inseparáveis”. A criança se torna capaz, por ela mesma, de criar um alento emocional (elegendo seu objeto), e não fica “presa” à presença da mãe, para tal. Esta é uma das primeiras manifestações de uma maturidade emocional: a capacidade de estar sozinho.
Pois bem, dito isso voltamos ao problema principal, tratado neste texto: mães que dormem com os filhos. Ora, deixá-los dormirem juntos da mãe é privá-los de desenvolver suas próprias habilidades internas para dar conta da solidão; isto seria um estímulo à imaturidade emocional. Ou seja, as crianças passam a contar com um “suporte” afetivo (mãe), que vem de fora, que é concreto (carne e osso), ao invés de contar com um “suporte” próprio, estruturado por fantasias, sonhos, imaginações, dando lhe conforto e segurança para agüentar a noite e a solidão.
Tal situação pode gerar um doloroso vazio existencial - se entendermos esse vazio como uma insegurança para se firmar diante da vida - manifestando-se em insônia, dificuldades escolares, agressividade intensa, para citar algumas (possíveis) consequências. Mais adiante, o conforto emocional, visto que a mãe (carne e osso) não se faz mais presente, pode ser buscado pelo uso/abuso de drogas, remédios, alimentos e qualquer tipo de tentativa (desesperada) de preencher um buraco emocional, um vazio, que não pode ser preenchido pelo simples reconhecimento da integridade do seu ser.

Belo Horizonte, abril de 2009.
Flávio Pimentel é psicólogo da Aprendizagem & Companhia
Pós-graduando em Psicologia Médica pela UFMG

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